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Poema para o amor(I)


Lembrara-se dos olhos da mulher morena,
da pele macia e dos seios fartos.
giz nos dedos, caneta nos lábios
Se entregara inteira e louca àquele que conhecia
 os segredos íntimos e ínfimos da anatomia feminina.

O beija-flor que amava mal-me-queres,
o mau pressentimento e intensos sentimentos.
As auguras e as injúrias.
O incesto, o sexto, a cesta,
a semana inteira.
As margaridas nos canteiros de alecrim.

A cama ainda quente,
o perfume nos lençóis,
o gosto no corpo,
o aroma da morte.
e as mulheres vomitando cólera.

Clarice

Ah, o primeiro dia que vi Clarice!
Lembro-me de cada sensação
Repeti diversas vezes o caminho que fiz naquela tarde.
Uma estrada, o por do sol e o topo de uma montanha
foi assim a primeira vez que vi seus olhos negros e seu sorriso amarelo.
As pessoas nas ruas, o silêncio nas calçadas.
Luzes em lâmpadas que iluminavam seu rosto como refletores.
Sorriso tímido, olhos molhados, morenos.
Assim beijei Clarice.
Os campos cobertos de gramíneas, o corpo coberto de desejos e cobertores
Cabelos, risos e bocas, molhados.
Enfim, nos amamos.
Música, dores, risos, amores
Clarice e eu, éramos somente Eu e Clarice.
Abandonamo-nos.
Hoje, sempre que sonho
vejo os olhos negros de Clarice.

(Maralice Boato)

Estático

Casa, cama, cotidiano.
Rotina, preguiça, prazos, prazeres.
Avaliações, reproduções, (dês)construções.
Fichas, fluxos, faixas.
Trânsito.
Gritos, gemidos, procissões.
Preces, prédios, previsões.
Provas, partidos, parceiros
períodos, poemas, perdidos.
Poetas.

Amar Maria

Lentamente caminha nos campos
A brisa que sopra, seca
suores.
Assobios suaves quebram melodias silenciosas.
A goiabeira em que amara Maria
continua solitária no cenário bucólico.
As bicicletas encostadas com seus cestos de margaridas.
Lembrara de outros amores,
amou Moema, Melissa, Márcia, Marcela, Maíra.
Amores de aroma doce
Cor de terra, jeito de grama.
Maria e eu amáramos na chuva, na lama,
nas noites de Lua e em dias ensolarados.
O chão coberto por pétalas brancas.
Desejei eternos dias floridos.

Devaneios

A fumaça toma conta do quarto.
Os quadros mortos com cores vivas enfeitam a parede.
Rostos em retalhos preenchem os ladrilhos, ladrão.
Reproduzia traços de Picasso na pele,
no pêlo.
Dylan no som, sonoros sentidos
apoiam os gritos
silenciosos no claro escuro.
O cara de membros coloridos
e a moça em preto e branco.
Feito fogo, acenderam.
Apagaram.
Partiam e se desfaziam.
A moça sentada na grama.
Cega, seca.
Repousa no verde dos ladrilhos marrons.
Os pássaros amarelos são sinais de sua embriaguez.
Cama e estômago vazios.
Náuseas, vozes, vômito.
Vá. Volte.
Veja da janela amarela
a casa branca e a moça que permanece deitada
observando as listras coloridas do arco-íris.

Poema para um amor qualquer

E eu desejei amar-te uma vez, por vezes infinitas 
O gosto, o rosto, o gozo
A mão que acalenta
A pele que queima
Lembranças que teimam em cingir minha cabeça.
Não fujas de mim, tu és o que dá sentido aos versos.

E ao passo que o tempo passa,

sinto a necessidade de ver passar seus passos pela rua.

Poço

Os risos largos
parecem cortar a pele roxa.
A camisa cereja
esconde beijos.
Por que de amores vivo?
Desejo sorrisos suaves,
pouco sinceros.
O que busco
sufoca-me diariamente.
Sou tomada pela inutilidade
que ocupa todo ser que não consegue ser feliz.
Vivo de lamúrias.
Disfarço e desfaço-me.
Sou pó, poeira do deserto.

As sementes que não germinam no asfalto.
A ferida que come a pele do leproso.
Corpo destruído por vermes.
O grito de dor ao ter os ossos quebrados.
Quero furar-te os olhos.
Jogar-te no poço
E perder-me no mundo
depois de afogar.

Fantasias

Sou de mares invisíveis
de marés noturnas e dias cinzentos.
Me vejo por vezes
analisando as cores do cotidiano.
Enamoro-me como pobres adolescentes nuas.
Sou dessas pessoas que não cantam no chuveiro
Que não cospem nas ruas.
Que anda devagar
por ter preguiça de ter pressa.
Perco amores por não saber usar palavras.
Uso palavras quando escrevo amores.
Sou passageiro por saber que dias passam.
Vivo de amores que descubro.
De homens que me encobrem.
De mulheres que me cobrem.
Sou dada a fantasias.
Me dou com fantasias.
E sigo escrevendo e me fantasiando.

Saudades

Tenho saudade de palavras em papéis amarelos
envelhecidos.

O pobre escritor descansa seu cigarro nos lábios
enquanto pensa no tempo que perdeu com palavras.
A noite cinzenta, com Luas laranjas.
Chuva artificial que crio quando escrevo.
Crio e creio.
Me perco entre a fumaça e a neblina.
Ouço no som vozes roucas
e latidos vindos das pequenas vilas.

Nas janelas das favelas vejo luzes
que seguem em ruas paralelas.
Fundem-se com as estrelas azuis amarelecidas.
Fumaça, foice e figos.
Na rede espero os que sobem os morros com máscaras.
Movimentos sexuais, contínuos.
Sintomas singelos.

Agora apagam-se as luzes
o velho escritor se recolhe.
A rede é fria, os corpos se separam
e os pássaros agora cantam em sintonia.
Poeta perdido, palavras soltas.
Não sabe que não acordará amanhã.


(M.B.)

Ao Professor


Cabelos Grisalhos
Face com traços pouco envelhecidos.
Óculos de descanso, canso.
Palavras soltas, poucas.
Sábias palavras.
Para, ouve, olha.
Gestos contínuos.
Olhos alertas

fixados nos ponteiros, relógio.
Voz rouca, água,
ventiladores e seus sons laterais.
Poder, prazer.
Casaco preto sobre a pele branca.
Mãos frágeis, lápis.
Interrupções, ações.
Quadro negro, verde.
Telhas cinzas do teto amarelo
e a imagem projetada na cadeira ao lado.


(M.B.)

Cardíaco


Batimentos cardíacos, cardinais
Unhas roídas, ruínas
moídas, miúdas.
Morena, Maria.
Gel, giz, gelo.
Jogo giratórios, gerais.
Gestos e danças no piso, madeira.
Corpos parados, estáticos.
Reprodução, produção, ligação, espaço.
Parco, parto, partir, parto.

Indômito, cômico.
Ameixas frescas.
Há mares, lares,
amoras, amores.

(M.B.)